Dona Zai
RELATO Nº 1
“A história e o folclore são meus
mas os livros foi você que escreveu
quem garante que Palmares se entregou
quem garante que Zumbi você matou
perseguidos, sem direitos, sem escolas
como podiam registrar as suas glórias
nossa história foi contada por você
e é julgada verdadeira como a própria lei”
(Palmares, Natiruts)
INTRODUÇÃO
Durante o 3º bimestre deste ano desenvolvemos o projeto HISTÓRIA DO BAIRRO, visando conhecer e sistematizar a História do Bairro São Francisco de Assis, fazendo-a conhecida de outras pessoas. A idéia desse projeto surgiu com o professor Herbate, no ano passado. Este é um trabalho muito diferente de todos os já postos em prática na escola: enquanto nos outros trabalhos é a professora/professor quem conhece o conteúdo, neste são as alunas e os alunos quem o conhecem, pois estamos tratando de sua história, a história do lugar onde elas e eles vivem. O resgate dessa história e sua valorização são tomados aqui como um meio para aumentar sua auto-estima como sujeito construtor da História e a sistematização dessa história uma forma de tornar a história do bairro como as demais histórias, não estática, mas oficial, registrada e as alunas e alunos produtores dessa transformação.
CONTEXTUALIZAÇÃO
A Escola M. Luiz Viana Filho está localizada no bairro São Francisco, atende desde crianças do grupo 5 (pré-escola) até adolescentes do grupo 14 (9º ano). A indisciplina é grande a muito tempo e sempre se buscou as suas causas dentro da sala de aula. De alguns anos para cá temos tentado compreendê-la como algo trazido de fora da escola pelas alunas/ os alunos. E por quê isso acontece e acontece tão intensamente nesta escola? Bem, o bairro tem muitas necessidades e suas moradoras e moradores têm passado por muitas privações e dificuldades, às vezes percebe-se um abandono do bairro por parte dos setores responsáveis: há escuridão em algumas ruas por falta de manutenção das lâmpadas dos postes públicos; as ruas não são calçadas e a terra causa alguns prejuízos, sobretudo na saúde das pessoas; muitos, na falta de melhores trabalhos, estão no subemprego; insuficiência de policiamento; falta de moradia digna para grande parte das famílias; baixo nível de escolarização, a maioria das pessoas que terminam o ensino fundamental não continuam os estudos por causa da distância das escola de ensino médio; além disso, as únicas instituições públicas presentes no bairro são a escola e o posto de saúde. É claro que a escola não tem poder para resolver todos os problemas, mas pode trazer para a sala esses problemas sob um olhar crítico.
As turmas envolvidas neste trabalho são os grupos 11 ao 14 e, exceto os grupos 11, já foram minhas alunas e alunos. Tento desenvolver um trabalho sempre voltado para as experiências das alunas e alunos e desta vez, não só a sua própria história, mas a história do bairro onde vivem. As famílias são pobres, não têm condições de atender a todas as necessidades de suas filha e filhos . Mas por quê isso acontece enquanto outras famílias dispõem de tudo? Possivelmente as condições em que o bairro foi criado e em que as famílias chegaram a ele explica uma parte do problema.
A PESQUISA
No início do 3º bimestre foi apresentado às turmas o plano de trabalho, discutimos a sua importância ( todas e todos gostaram da proposta) e após pedi-lhes sugestões para melhorar o plano. Lembrei-lhes que esse trabalho seria totalmente uma pesquisa de campo, haja vista que não existem livros sobre o bairro, o único registro escrito sobre a história do bairro é um texto da professora Vera Lúcia, por isso seria necessário elaborar atividades de campo: fotos? entrevistas? visitas? quem entrevistar? No grupo 14, Cleiziane sugeriu que procurássemos as moradoras e moradores mais antigos. Essa parte foi uma das mais importantes do trabalho porque são elas e eles que conhecem o bairro, sabem quem podemos visitar e quem devemos entrevistar. O meu papel foi exatamente o de pedagoga, ou seja, de organizar o trabalho que, na verdade, é das turmas. Desde 2004 tento desenvolver projetos com planejamento participativo, alguns deram certo, entretanto para mim este é o mais satisfatório.
Depois do plano revisado, listamos em cada turma as pessoas que poderíamos visitar e entrevistar. Alguns nomes foram repetidos e várias moradoras e moradores foram lembrados, alguns por serem avós de colegas, outros por serem sabidamente os mais antigos no bairro. Listamos: D. Zai, d. Cecília, Sebastião, d. Maria Pinheiro, sr. Dedé, d. Gerulina, d. Dete, sr. Ângelo, d. Deja, sr. Raimundo, sr. Narci, sr. Valdemar, d. Francisca, d. Neném, Doge, d. Márcia, d. Rita, d. Valmira, d. Leniê, d. Flor, sr. Lizô, d. Luzia, d. Jovina, sr. Wilson e o prof. Neilton. É uma boa lista para começar.
Antes de sairmos a campo fizemos a leitura de algumas partes do texto da profª Vera, conversamos sobre o bairro e alguns desenhos que o representam. Descobri que alunas e alunos como Alice, Caio, Tainã, Paulo e Geovane Pinheiro sabem muita coisa sobre o bairro, suas avós e seus avôs, que foram alguns dos primeiros moradores, transmitiram-lhes a história.
Infelizmente precisamos parar o trabalho sobre o bairro para trabalhar o tema do desfile de 7 de setembro, então só na metade do mês de setembro é que o retomamos. No dia 23 de setembro realizamos as primeiras entrevistas; nossas primeiras entrevistadas foram dona Zai, dona Flor e dona Maria Pinheiro, depois entrevistamos Amaraí. Antes de sair para entrevistar, elaboramos as perguntas que seriam feitas. Para estas entrevistas solicitamos ao Ponto de Cultura que fizesse uma gravação em vídeo. O objetivo é produzir um documentário sobre o bairro.
Dona Zai, ou melhor, Belzair Damasceno, foi quem organizou as mulheres para irem até a prefeitura solicitar do prefeito um lugar para morar, foi uma das primeiras a chegar ao bairro e mais tarde trabalhou na escola como merendeira. Não precisamos utilizar as nossas perguntas, porque ela foi contando tudo: como viviam perto do ginásio de esportes, a ida à prefeitura, a chegada ao bairro, os primeiros anos aqui e as mudanças que foram ocorrendo letamente, amenizando o sofrimento e a miséria.
Dona Maria Pinheiro chegou no bairro depois de dona Zai, mas também foi uma das primeiras a chegar. Ela relatou a dificuldade que era morar aqui e ir trabalhar tão longe, o que aconteceu e acontece ainda com muitas pessoas. Também se lembra de muitas coisas dos primeiros tempos do bairro: a água que vinha da cisterna, do chafariz na praça, da lavanderia, de irmã Irene (uma freira que ajudou muito o bairro e lhe deu o nome de S. Francisco) e do padre Pedro, que criou a olaria e possibilitou que muitas famílias tivessem uma casa de tijolos. E diz que hoje o bairro já melhorou, pois antes não tinha nem escola para seus filhos estudarem e agora seus netos estudam no próprio bairro.
Amaraí, presidente da Associação de Moradores do Bairro, chegou ao bairro recentemente, porém, foi ele que possibilitou ao bairro ser registrado com o nome São Francisco de Assis, até 2007 ele era oficialmente “Malvinas” ou “Boa Vista II”. Amaraí fez um abaixo-assinado com as moradoras e moradores e entrou com um pedido na prefeitura para que o novo nome (dado a anos pela irmã Irene) fosse oficializado. Hoje as contas de luz e água já estampam o nome do bairro no endereço.
Dona Flor foi quem trouxe para o bairro o candomblé, primeiro ela tinha um terreiro na Fundação Bradesco, depois mudou-se para cá. Deu-nos informações sobre o que é o candomblé, como funciona o terreiro e como são preparados alguns rituais. Também mostrou-nos o terreno onde pretende construir seu terreiro, mas infelizmente não tem condições financeiras para fazê-lo. Dona Flor é uma pessoa muito alegre e disse que quando puder “bater os tambores” ali vai ter muita alegria e muita gente feliz no bairro.
As entrevistas aconteceram num dia de prova, por isso foi um tanto tumultuada, sem contar que cada entrevista foi feita por um grupo diferente, então era necessário buscar uma turma e levar a outra, mas no final deu certo. Participaram dessa primeira parte das entrevistas foram os grupos 11 e 14, juntamente com a coordenadora Euricléia e com Dino, técnico em informática do infocentro da escola. As entrevistas foram agendadas com as moradoras e moradores com os alunos Paulo Júnior (grupo 12) e Geovane Nere Pinheiro (grupo 11).
CONCLUSÃO
A perspectiva de resgatar a história de sua comunidade e transformar essa história oral em história escrita tem transformado alunas e alunos. A euforia é grande nas turmas. O desejo de sair às ruas entrevistando, perguntando e trazer suas descobertas para a sala de aula é visível todos os dias na inquietação das turmas em fazer logo. A desmotivação sempre foi um problema na escola e, parece-me que agora todas e todos querem fazer, querem participar, querem transformar personagens anônimas em conhecidas, querem contar a história da sua família, de seus vizinhos...
Temos previstos os levantamentos de histórias pessoais para a produção de biografias de pessoas importantes na comunidade e as auto-biografias de cada aluna e aluno. Ainda teremos muitas entrevistas pela frente...
Este tipo de atividade traz dignidade às crianças,fazendo com que elas tenha mais conciência do seu passado e de sua realidade.
ResponderExcluirAlém de estimular o interesse pelas aulas e seus conteúdos.parabéns.